Tribunal dos Grãos: Existe um Vilão na Fila do Pão?

Alimentar Autonomia - Edição #028

Eu decreto: Não comerás pães gourmetizados!

"Angela, eu vou repetir mais uma vez... Trocar cinco pães franceses por cinco fatias de pão integral artesanal não está te ajudando a emagrecer, o problema é a quantidade!".

Essa foi a última frase que falei para uma paciente.

Última porque ela "misteriosamente" faltou na consulta seguinte, e nunca mais voltou.

Devo ter ofendido a receita do pão de fermentação natural que estava há gerações na família dela.

Verdades difíceis precisam ser ditas.

Apesar disso, existem diferentes maneiras de serem ditas e, situação nenhuma justifica grosserias.

Fato é, Angela (o nome é fictício antes que me julgue antiético) insistia em abusar das massas e pães, sob o pretexto de consumir apenas às artesanais e fermentadas de maneira natural.

Nada contra, não me entendam mal.

Inclusive, muito a favor, adoro boas massas e padarias artesanais.

Comprei um essa semana, não resisti ao abraço que é o cheiro de um pão recém-saído do forno.

Manteiga em cima, café preto passado na hora e o café da tarde está servido.

Preferências de paladar postas na mesa, quando o assunto é saúde ou, especificamente, emagrecimento, nos deparamos com várias opiniões.

Há quem recrimine a todos os carboidratos, independente de sua origem, grau de processamento ou natureza de fermentação.

Posturas radicais raramente precedem boas decisões. Não só na saúde. Descartemos esse posicionamento.

Há quem aceite-os, desde que comprovadamente não processados e produzidos em larga escala (artesanais), com a premissa de que o problema está na industrialização e na qualidade dos ingredientes.

Por fim, existem aqueles que sequer imaginam como um pão é feito e crê genuinamente que macarrão só é vendido em pacote no supermercado.

A verdade é que estas escolhas costumam estar muito mais correlacionadas ao meio em que estamos inseridos do que propriamente escolhas conscientes visando saúde.

Aos sortudos residentes em cidades do interior, é costumeiro o consumo de pães e massas feitas no próprio domicílio.

Moradores de cidades grandes costumam viver uma dualidade, apesar da maior oferta existente hoje em dia, infelizmente, produtos artesanais e que utilizam ingredientes frescos costumam custar mais (bem mais).

Comemos aquilo que podemos (acesso e custo) e que conhecemos (hábitos e experiências).

É engraçado ter vivido diferentes cenários durante a vida.

Durante toda infância comi o pão feito pela minha vó, cuja receita persistiu na família.

Na época, era só pão. Não carregava adjetivos caros como "artesanal" ou "de fermentação natural".

Quando passei a morar fora, a praticidade exigiu que passasse a consumir o pão de forma industrializado tradicional em qualquer rede de supermercados.

Já mais velho, morando em cidades maiores, assisti ao "boom" das padarias artesanais e a gourmetização do velho conhecido pão.

Vivi no meio do caminho, inclusive, uma fase de aversão. Fugindo das massas como o diabo foge da cruz (se é que ele foge).

Mas, afinal, qual a diferença entre grãos integrais e grãos refinados?

Os grãos integrais são realmente melhores e mais saudáveis que os grãos refinados e processados?

O que é um grão?

Tecnicamente falando, um grão é a semente seca de cereais, pseudocereais e leguminosas.

Consumidos globalmente há algumas centenas de anos, são fonte de nutrientes (especialmente carboidratos) e micronutrientes.

Exemplos do cotidiano são: trigo, aveia, arroz, cevada, quinoa, milho, sorgo, amaranto e por aí vai.

Um grão é composto por 3 partes: casca ou farelo, endosperma e gérmen.

  • Casca/Pericarpo: É a camada mais externa e tem função protetiva. Pericarpo é a parte interna desta (contato com o endosperma), costuma originar o que chamamos de farelo e é rico em fibras (celulose) e alguns fitoquímicos, minerais e antioxidantes.

  • Endosperma: Parte "macia" e geralmente mais clara do grão. É composta majoritariamente por amido (carboidrato) e alguma proteína. Serve de "alimento" para o gérmen.

  • Gérmen: Porção mais interna que originará uma nova planta. Rica em vitaminas, antioxidantes e fitonutrientes. Possui também um pouquinho de ácidos graxos (gordura).

Qual a diferença entre um grão integral e um grão refinado?

Carlos “Refinado” x Carlos “Integral”

Em sua grande maioria, grãos são processados visando facilitar seu consumo.

Poucos dos grãos são consumidos da maneira com que são coletados.

Quão processados estes grãos são, define se serão chamados de integrais ou refinados.

Grãos integrais têm apenas a porção indigestível de sua casca removida.

Dessa forma, mantém-se a porção nutritiva da casca (farelo) e ambos o endosperma e gérmen.

Grãos refinados são processados de maneira mais intensa, tendo toda a casca e gérmen removidos.

O processo deixa apenas a endosperma (por isso a textura mais macia e coloração tipicamente mais clara), removendo boa parte dos micronutrientes.

Isso significa que grãos refinados devem ser evitados sempre?

Não.

O grau de processamento do grão não implica em ele perder todo seu valor nutricional.

Muitas culturas longevas (vivem muito) e saudáveis (vivem bem) têm grãos refinados como base de sua alimentação.

"O problema é eles serem processados!"

Nem todo tipo de “processamento” é maléfico

Senta no sofá, com calma. Toma um copo de água. Deixa eu te contar uma coisa:

Todos os grãos que você compra em lojas/supermercados são processados!

Sim, até mesmo os integrais.

Existem dezenas de maneiras de se "processar" os grãos.

Todas elas visam facilitar seu consumo, ajustar textura, tempo de cozimento e outras características logísticas.

Nem tudo que é "processado" pelo homem se torna um item maligno que te envenenará.

Assim como nem tudo que é "natural" curará todos os seus males magicamente.

Vamos lá, supera, você não pode ficar tão surpreso com isso.

Já passamos da idade de enxergar o mundo de maneira tão simplória.

Será que é mesmo integral?

Muitos dos produtos que ostentam o selo de "integral" nas suas embalagens, são na verdade, mistos.

Isso significa que na composição, você encontrará parte de grãos integrais e parte de grãos refinados.

A estratégia da indústria é simples mas eficaz. Ter o melhor dos dois mundos:

  • Conquistar o público que busca uma alimentação saudável através do rótulo "integral", reforçado pelas cores em tons de marrons e verdes que fazem alusão à "natureza".

  • Manter o sabor e textura fofinha que só os grãos refinados proporcionam.

Dê uma lida com atenção aos rótulos na próxima vez que for ao supermercado.

Esse aqui é maravilhoso!

Benefícios:

Grãos Integrais têm naturalmente mais micronutrientes (vitaminas e minerais).

Eles têm correlação com melhora de quadros de diabetes e outras doenças crônicas. Mas também não fazem milagre, e não vão curar doenças como estas.

Sua digestão é mais lenta, logo mantém seu estômago cheio por mais tempo, resultando em mais saciedade.

A composição mais rica em fibra alimenta a flora intestinal e melhora o funcionamento de todo o sistema.

Grãos refinados são mais fáceis e rápidos de preparar e de absorver. O que pode ser uma vantagem para algumas pessoas e situações.

Muitos alimentos que usam grãos refinados são "fortificados" com vitaminas, fibras e minerais (calma, lembra que não é o fim do mundo ser processado).

Comida não tem Índole

Será que você está transferindo seus demônios internos para os alimentos?

Não sei em que momento da história passamos a creditar índole e moral aos alimentos.

Frutas são boas. Chocolate é ruim. Carne faz mal. Vegetais fazem bem.

Tratamos alimentos como seres capazes de ação intencional.

Quase como se tivessem consciência e, decidissem sozinhos, fazer o bem ou o mal.

Acredito fortemente que o tratamento tenha sido decisão humana.

Somos especialistas em terceirizar nossas responsabilidades.

Não culpe os alimentos pelos resultados (ruins) oriundos das escolhas (também ruins) que você fez.

Julgar e categorizar os alimentos em dois grandes grupos (saudáveis e não saudáveis) não ajuda.

Pode até parecer que ajuda a tomar escolhas, mas na prática, gera ainda mais confusão.

Entremos em mais detalhes:

1 - Uma alimento sozinho não define sua dieta por inteiro.

Saúde não é definida exclusivamente pela nossa alimentação.

Assim como nossa própria alimentação é definida por todo um conjunto de escolhas.

Julgar uma pessoa como saudável ou não baseada em um alimento único isolado é pueril.

2 - Não existe um alimento que seja SEMPRE ruim.

O contexto em que está inserido conta mais do que o alimento em si.

Quem, como, quando e quanto são variáveis que mudam todo o valor de uma escolha na dieta.

O veneno de um pode ser o remédio de outro.

3 - Demonizar certos alimentos os tornam ainda mais atraentes

O ser humano sempre foi atraído pelo que não está ao seu alcance.

A maneira mais eficaz de intensificar o desejo de algo, é torná-lo proibido.

Este é um dos motivos que dietas radicalmente restritivas tendem a fracassar.

No início, pode até parecer como o caminho correto, mas no longo prazo, velhos hábitos vencem nossa força de vontade.

4 - Comer por prazer não é um crime

Alguns alimentos não são nutritivos e de fato, contribuem pouco para nossa saúde.

Entretanto, quando ingerimos algo, alimentamos mais do que apenas nosso corpo.

Muitas vezes estamos em busca do sabor único, da conexão com familiares e amigos, da sensação de pertencimento ou da experiência que aquele alimento proporciona.

Alimentar-se vai além da nutrição, e isso não deveria ser visto como algo errado.

Qual a melhor escolha?

“Pick your poison”

"Mas como faço pra escolher o que comer, se não existem alimentos bons e alimentos ruins?"

Essa é a primeira reclamação que escuto quando defendo a não moralização da comida.

A confusão nasce do fato de que, quando digo que não existe comida ruim, a maioria das pessoas assume que todo alimento é bom e saudável.

A necessidade humana de dicotomizar decisões se mostra persistente...

A resposta que mais odiamos receber é o famigerado "depende".

Precisamos entender que nossas escolhas precisam levar mais do que um único fator em conta.

Considere as 3 variáveis abaixo no momento da escolha:

Quem está comendo?

Joãozinho tem 25 anos, peso adequado e pratica atividades físicas intensas 6x por semana.

Dona Maria tem 75 anos, sobrepeso, hipertensão e diabetes, além de ser sedentária por toda vida.

Você acha mesmo que ambos devem escolher da mesma maneira?

Não estou falando só de limitações como doenças, idade ou nível de atividade física.

Ainda temos outros detalhes como preferências (paladar e cultura) e alergias alimentares.

Cada pessoa é única (clichê né?).

Mas em tese, somos as pessoas que melhor nos conhecemos.

Ninguém externo poderá tomar decisões mais precisas sobre nós, que nós mesmos.

Por quê está comendo?

Qual o contexto dessa refeição?

Está passando por um estresse emocional, comemorando um aniversário ou conquista na vida pessoal, beliscando inconsciente durante o dia corrido ou então, recuperando as energias após um treino intenso.

Os cenários possíveis são infindáveis e mudam o contexto da ingestão de um alimento específico.

Devemos sempre analisar a situação que levou aquela refeição e compreender que sua escolha pode variar em diferentes cenários.

Qual o seu objetivo?

Apesar de não possuírem índole, alimentos têm o poder de facilitar ou dificultar objetivos específicos.

Acredite, a lata de coca cola que está na geladeira não deseja que você infarte e morra do coração, mas pode tornar mais difícil de perder aquela gordurinha extra.

Defina um objetivo e coma com intenção.

Perder peso, ganhar massa muscular, ter mais foco e energia, melhorar sua saúde, melhorar performance esportiva...

Dica: defina uma única prioridade (quando tudo é prioridade, nada é prioridade).

Explore e experimente

Aumente seu repertório alimentar. Ter familiaridade com uma maior variedade de alimentos facilita a manutenção de uma dieta equilibrada no longo prazo.

É comum abandonarmos rotinas saudáveis e processos de emagrecimento por pura monotonia.

Além do fato de que uma maior gama de opções ampliar a variedade nutricional ingerida.

Tive a oportunidade de experimentar pratos maravilhosos com grãos não tão frequentes no nosso dia-a-dia, como quinoa e amaranto durante viagens.

Sempre que possível tento reproduzir pratos similares na rotina.

Situações hipotéticas:

Quem deveria optar pelos grãos integrais?

  • Problemas com o controle da glicemia (diabetes e pré-diabetes)

  • Dificuldades com o funcionamento intestinal (constipação, doenças inflamatórias intestinais)

  • Quer perder peso (mais saciedade = menos fome = menor ingesta calórica = perda de peso)

  • Abusa de produtos industrializados e refinados (tente balancear com grãos integrais)

Quem deveria optar pelos grãos refinados?

  • Odeia o sabor de grãos integrais (paladar importa)

  • Recuperando de uma infecção intestinal (digestão mais rápida e fácil)

  • Quer ganhar massa muscular (repor glicogênio muscular no pós treino)

  • Come comida de verdade 80-90% do tempo (tudo bem sair da rotina vez ou outra)

Eai, já sabe o porquê você escolheu o que anda comendo?

📍 🥵 "Skin in the Game":

Expectativa: Manutenção do Peso Ideal (83.0kg)

Realidade: -0.3 kg

📝 Oscilações mínimas, mantido percentual de gordura estável. Segue o plano. ♾️

⏬ 🧠 "Download Mental":

Episódio de um podcast aleatório no qual acabei caindo nesta entrevista com Sally Rooney (escritora e roteirista, famosa pela série "Normal People"). A conversa aborda temas (não tão) aleatórios como relacionamentos, escrita e criatividade.

💚 ☕ 🍋 Torta de (C)limão

A mais requintada que já comi, a melhor? Não… Nota: 🍋🍋

Morgan Housel é o autor do recentemente lançado livro "A Psicologia do Dinheiro".

Não o li (ainda), pois confesso que tenho empregue mais energia em outras áreas da vida.

Entretanto, inúmeras críticas sugerem que o livro vai bastante além de dinheiro e finanças.

Li um trecho transcrito de uma entrevista onde o autor faz uma pergunta que me fez refletir:

"O que era verdade há uma geração atrás e não é mais? Quem segue preso a essa velha verdade?"

Morgan Housel

A pergunta extrapola o nicho financeiro e me fez pensar sobre minha área.

Gordura é a vilã. Carboidratos são os piores. Proteína causa problema renal. A lista é infinita.

A nutrição e o mundo do emagrecimento deveria ganhar o prêmio de área com o maior número de verdades transitórias.

Quantas destas "velhas verdades" seguimos acreditando (e aplicando) na nossa rotina simplesmente por tê-las como absolutas?

Não existem "verdades inquestionáveis", ao meu ver.

O hábito de questionar deveria ser exercitado com maior frequência.

Mesmo quando a resposta encontrada ao final for afirmativa e a tal verdade, se prove de fato, verdade.

"O que você ainda segue aplicando na sua rotina sem sequer questionar se aquilo segue sendo uma verdade?"

🫵🏽 Caso faça sentido para você:

  1. 🥇 Está cansado de seguir dietas mirabolantes e de não alcançar seus objetivos? Você não precisa enfrentar esse desafio sozinho.

    📍🗓 Agende sua consulta AQUI.

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Werde der du bist 🪞🎯 
Câmbio,
Carlos E. Silva